A história de Madalena Jalles, que pode ser adjectivada de ousada e corajosa, demonstra como é possível, apesar de todas as adversidades, reformular a nossa existência e os projectos que a integram. Depois de perder o marido e, em conjunto com quatro filhos, Madalena formou um grupo musical. Não só para ganhar a vida, mas para (re)ganhar vida. E é feliz, como se pode ler no discurso directo que se segue
POR MADALENA JALLES
Faz precisamente dez anos que escrevia na “Carta da Acege” (nº 14 / 2001), e alertava para os perigos da “escravidão de luxo” com que as grandes empresas e multinacionais fazem embarcar jovens executivos, em início de carreira e de começo de vida em família.
Por morte do pai, em 2001, tive de equacionar quatro prioridades em relação à família, sem detrimento de nenhuma delas ao colocá-las por ordem numérica: tempo para os filhos; educação artística; dinheiro para nos sustentarmos; educação na fé católica.
Após ter sido professora de Inglês num colégio particular em Lisboa durante dois anos, em 2004, com os meus quatro filhos, mudámo-nos para Alcochete. Aqui, com alguma tranquilidade, pude ponderar melhor o futuro. Não obstante parecer evidente ter que me render a um protótipo de vida e a uma protótipa profissão, sabendo a priori o que isso significaria em falta de liberdade na gestão de tempo e em imprimir a dinâmica que queria, decidi não aceitar nenhuma das possiblidades de trabalho que me foram na altura sugeridas, e arriscar trilhar o nosso próprio caminho, com todos os riscos que uma tal decisão pudesse acarretar.
Actualmente sou gerente da empresa “FigoMaduro Unipessoal Limitada” cuja actividade é prestar serviços musicais e que tem por base uma família que sempre se dedicou à Música, composta por mim e os meus quatro filhos: João Maria (11); Madalena (13); Maria (15) e Luísa (17).
Porque é muito estruturante no desenvolvimento de qualquer ser humano, esta foi a arte pela qual optei para se tornar aliada da educação que lhes queria proporcionar: é altruísta por natureza, porque não só feita para prazer de quem a faz, mas convida à partilha; é disciplinadora de hábitos e de gestão de tempo; requer perfeccionismo, por isso obriga à paciência e à humildade; molda um coração magnânimo, pois faz com que nos abramos a outros mundos e a outras culturas. Tudo isto provocando um enorme prazer. O objectivo do FigoMaduro é, por isso, silmultâneamente musical e educacional. Não se propõe, de que forma for e através dele, coagir qualquer um dos filhos a ser músico: sempre tiveram liberdade de escolha nos instrumentos que quiseram tocar e sempre terão liberdade para decidir as profissões que quiserem vir a desempenhar. Aínda que não houvesse oficialmente o grupo, existiria sempre o projecto. Entretanto, dois dos filhos optaram já pela via artística.
O crescimento do “FigoMaduro” tem sido gradual e ajustado à medida do que podemos corresponder, com a experiência que temos vindo a adquirir.
Em Julho de 2005 oficializámos o “FigoMaduro”; em Novembro de 2007 constituímos a empresa “FigoMaduro Unipessoal Limitada”; e em Novembro de 2010, lançámos o primeiro albúm*.
Em Maio de 2010, tivemos a grande honra de actuar para o Papa Bento XVI, em Fátima. Esta graça fez-nos recordar e agradecer essa outra que tivéramos 10 anos antes com o Papa João Paulo II, primeiro na Base Militar de Figo Maduro, quando lhe cantámos e, depois, na Capela Sistina, em Roma, por ocasião do Baptismo do filho mais novo, em Janeiro de 2001.
Em simultâneo, exerço funções de pai, mãe, dona de casa, música, empresária, secretária, manager e, desde que lançámos o CD, também editora. A sensação que tenho é a de quem começou há dez anos uma prova de pentatlo e que não pôde, aínda, recuperar forças.
Poder-se-ia pensar que os filhos não vivem a idade, dada a responsabilidade e o grau de exigência que lhes é pedido. No entanto, momentos tem havido que, aínda que fosse muito tentador aceitar esta ou aquela actuação, há que ter a fortaleza de dizer que não em benefício desse equilíbrio, em relação ao qual esforço-me por ser coerente. Em contrapartida, noutras alturas, e em detrimento de programas de fim-de-semana ou de uma festa, há que ter espírito de sacrifício, e dizer que sim. Para além disto, assumem uma atitude responsável em relação ao cumprimento dos deveres escolares, pelo que me tranquilizam nesse aspecto.
Em suma: a crise de que tanto agora se fala, não nos suscita nenhuma novidade. Sempre fui educada a batalhar e alcançar objectivos por mérito próprio e, nesse sentido, posso afirmar que os filhos não fogem à regra.
Desejaria que o nosso País fosse uma terra onde a natureza dos obstáculos fizesse justiça ao esforço que incutimos para alcançarmos a qualidade que ambicionamos, em cada actuação que fazemos. Tempo e energia que gostaríamos de ver focados no que queremos alcançar e que, por ausência de estructuras que nos apoiem, vemos desperdiçados. Tudo leva demasiado tempo em Portugal e essa demora, já de si prejudicial, suscita, consequentemente, tal desconfiança que acaba por abortar iniciativas, na sua essência, boas. Há uma ausência de dinâmica, um sentimento de que tudo se arrasta. E quem quer contrariar essa tendência vê-se aflito.
Sinto que, não obstante, o saldo é muito positivo pois temos sabido superar dificuldades, de diversa natureza. Temos proporcionado oportunidades de trabalho, pois funcionamos com contabilista e a intervenção de um ou outro músico nos ensaios e arranjos musicais e, pontualmente, colaboramos com uma gráfica, um informático, webdesigner, operador de câmara e de som, editor de imagem, fotógrafo, que permanecem os mesmos desde o início até hoje, e aínda com empresas conceituadas e, desde que lançámos o CD, com um estúdio de gravação, também este de renome.
Estamos especialmente gratos áquelas pessoas que nos contrataram, sobretudo particulares que, aquando do início, acreditando, confiaram.
Mas a grande mais valia terá sido a educação dos filhos que, através do FigoMaduro, lhes tem sido proporcionada, de tempo em família, de alegria, amadurecimento e desprendimento, de responsabilidade, rica de experiências e de contactos com todo o género de pessoas, de lugares que nunca poderiam ter conhecido, e a esperança que sentimos que semeamos, e nos é devolvida pela confiança que em nós depositam.
Pretendo com o que anteriormente foi relatado, demonstrar que é possível ambicionarmos algo em que acreditamos, aínda que remando contra a corrente, e que tudo devemos fazer para não sejam as circunstâncias adversas a impedi-lo. Crer e querer é tudo o que é preciso!
* À venda no “El Corte Inglés Armazéns”, de Lisboa e Gaia
Nota: Os FigoMaduro actuaram no El Corte Inglês, a 23 de Dezembro, pelas 16h30 |