foto: o ano passado, na Embaixada de França em Lisboa, Manoel de Oliveira e a sortuda
o tigre: http://www.youtube.com/watch?v=btPJPFnesV4&feature=list_related&playnext=1&list=AL94UKMTqg-9BVXTuh6HL8gAyp5xZnhTEP
Um dos últimos filmes de Manoel de Oliveira, ”Os Painéis de S.Vicente.Uma visão Poética”, toca os politicamente correctos por estes dias: globalização, diálogo intergeracional, etc.etc. Uma visão Poética.” Já aqui publiquei um texto de uma conferência que fiz em Braga no Colóquio Internacional de Cultura Portuguesa (201o), na Universidade Católica sobre este filme.
Recordo agora o que escrevi a 11 de Dezembro de 2010, quando o 100mim nasceu:
«Este blog nasce no dia em que Manoel de Oliveira faz anos. Parabéns! Nele vou escrever sobre tudo o que me interessa, reconhecendo o valor do diálogo enraizado na Presença que nos “faz” em cada momento.
Manoel de Oliveira é cultura portuguesa, é universalidade. Ele não é “apenas” um homem que faz hoje 102 anos, até porque, como ele diz, o que conta não é a duração mas o argumento. Num dos seus filmes sobre a História de Portugal (os temas históricos sempre o interessaram) afirma, com toda a certeza, pela boca de Luis Miguel Cintra (LMC): ”só se conquista o que se dá”. Portanto nada de “regressos”, ao passado, ao futuro, nada de imperialismos, ou familiares. O que conta é a Presença. Embora, como o cineasta afirmou em Serralves há dois dias, na estreia do filme “Os Painéis de S.Vicente”, o Presente tenha uma “fábrica”: o Passado.
Oliveira é cultura Portuguesa também porque enraizado, entre outros, em António Vieira e Fernando Pessoa. Mas também pela inter-textualidade com outros nomes grandes da literatura: Régio, Agustina e Camilo.
A obra do realizador português conhece o real em todas as suas dimensões, em particular o humano. A sua vasta filmografia não se limita a lugares comuns (filmes longos e chatos). Trata-se sim de uma obra potencialmente bela, exigindo do espectador um trabalho de actualização. Tem a genialidade de pro-vocar o humano que há em nós. Na linha do “conhece-te a ti mesmo”, apresenta imagens cuja intencionalidade é a de nos devolver a nós mesmos. A sua poética, plena de silêncio, é um lugar expressivo de uma ansiosa procura de sentido. Como sublinha Eduardo Lourenço no Prefácio que faz à recente edição da célebre Conferência de Antero de Quental: “estamos órfãos de um sentido que mereça esse título e saudosos dele”. Oliveira reconhece que os dois vectores do seu cinema são “a verdade e o acontecimento” – a sua busca não é ideológica nem puramente estética, mas sim existencial; aquilo que nos faz ver somos nós. Assim é o cinema, o contemporâneo.»
Não é por acaso que MO fez em 2009 uma curta Metragem tendo como tema os Painéis de S. Vicente. No relançamento da História da Arte, de Janson (da Gulbenkian) perguntamos ao Professor Fernando Baptista Pereira – que a coordenou e que tem entre mãos a História da Arte Portuguesa – que imagem escolheria para capa desta última, e ele respondeu sem hesitação: “Os Painéis de S. Vicente”. A obra de arte retrata como poucas a Identidade Portuguesa. Numa época confusa e que se preocupa mais com as coisas penúltimas do que com as últimas, Oliveira, com a inteligente e criativa consistência cultural que o define, dá-nos Portugal através de um trabalho sobre um políptico, aparentemente estático, mas que nos mostra o dinamismo de uma Nação de joelhos diante do Livro que Ricardo Trêpa (neto do realizador e membro da família da actores que o cineasta dirige) tem “ao colo”. Uma identidade portuguesa, europeia, e universal. No “desassossego” de Pessoa, ao colo a “humanidade inteira”.
Nestes Painéis de Oliveira “não é de história, de ‘honra e proveito’ ou de crónicas dos séculos XV e XVI que se trata…, mas sim daquela liberdade livre…que nos conduz a olhar limpamente uma pintura e a reinventar nela um sentido diferente, tão novo quanto necessário aos tempos que correm.” (José Luís Porfírio, Revista “Actual”, Expresso, 4.09. 2010).
E a pro-vocação de Oliveira: “hoje talvez seja possível para as personagens conseguirem sair dos Painéis. Mas não há nada de novo no cinema.” (Destak, 12.12.2009, na antestreia). O novo são as pessoas, a liberdade. De facto, para o cineasta “ cada filme tem de ser terminado pelos espectadores” (The New Yor Times, 9.03.2009). É o carácter interactivo dos seus filmes a exigir que a segunda mundialização possa ser a outra face da primeira, que foi a gesta dos descobrimentos, que o livro aberto para o qual D. Afonso V olha, investiu, e investe, de e para a beleza.
A reflexão de Oliveira sobre a nostalgia de que fala Eduardo Lourenço no Prefácio à referida Conferência de Antero, mostra, em um quarto de hora, as razões da decadência, não apenas dos Povos peninsulares, mas da humanidade inteira, sem excluir nenhuma raça. O nosso Antero também o reconhece: “…[ o] que une todos os espíritos numa mesma comunhão [é] o amor e a procura desinteressada da verdade.” (QUENTAL, Tinta da China”, 2008, p.37).